quinta-feira, 8 de julho de 2010

Diário de um Caminho - Dia 6


Dia 6 – Castro de Dozon – Laxe (Bendoiro)
Alvorada!!! Apesar da escuridão da noite lá fora o contradizer. Já nem olho para as horas. Seis, sete? De pouco interessa, o primeiro madrugador já saltou da cama e todos nós obedientemente vamos atrás. Os peregrinos ciclistas resmungam entre dentes e cobrem os olhos para não despertar. Saem mais tarde e provavelmente terminam já este dia em Santiago, pois conseguem cobrir mais terreno em rodas do que nós em botas. 
A noite foi bem dormida, embora tivesse custado a adormecer, ao barulho constante do ar condicionado, mas pelo menos dormimos quentinhos, pois o contentor improvisado era pequeno e rapidamente aqueceu! Sentada no meu beliche, dou por mim a contemplar a algazarra à minha volta. Passa-se a vistoria à roupa, para ver o que secou durante a noite. Alguns dos adolescentes de Ourense mantêm os pijamas e vestem a roupa por cima… é a lei da sobrevivência, lá fora está um frio de rachar! No início até havia um certo pudor, agora é o desenrascar, e o mais rápido possível, há malta que se passeia de roupa interior. Afinal é a mesma coisa do que se tivermos na praia, apenas os tecidos é que diferem. Sigo o exemplo!
Depois de um pequeno-almoço ultra rápido, constato que sou das últimas pessoas a estarem prontas para partir, perdi-me nas minhas divagações, para variar… O dia de hoje uma incógnita, sabemos o local de partida Castro de Dozon mas não o de chegada Laxe ou Lallin, vai depender das ocupações dos albergues e da condição física em que nos encontramos. Começam a aparecer no nosso grupo as dores musculares e as enumeras bolhas, mas não há desistências apenas um sofrimento interior e uma grande vontade de chegar a Santiago. E eu? Impecável, benditas horas sofridas no ginásio e trilhos pelos montes.
A manhã avizinha-se fria e muito chuvosa, a mãe natureza não nos dá tréguas. O inimigo do percurso o asfalto e o terreno completamente desprotegido dos ventos, fazem com que os nosso ponchos sejam testados até mais não puderem de tão encharcados. Vamos em silêncio em fila indiana, a ver passar os carros por nós, sinto-me uma peregrina a caminho de Fátima. Vamos passando por outros peregrinos e no meio de tanta intempérie e depois de caminharmos cerca de 8 Km, encontramos um bar com motivos equestres e lá nos refugiamos para tomar algo quente e recuperar energias. O Sr. José, um simpático espanhol que explorava o local num ápice arranjou um “Bocadillos” quentes e uns cafés com leche, cãnhas e Aquarius para os mais fraquinhos! Ainda lhe perguntei se não havia nenhum cavalo disponível no estábulo para me levar até Santiago, sim porque há peregrinos a cavalo, ele muito orgulhoso disse, claro é só escolher! Ficará para uma próxima, tenho de ter umas aulas de equitação primeiro
Depois da paragem para o almoço, o dia tornou-se menos austero, S. Pedro dá-nos finalmente algumas tréguas e rapidamente chegamos a Laxe. Qual o nosso espanto ao constatar que chegamos ao mesmo tempo que a Carmencita, que caminhava muito mais atrás de nós… não foi avistada por mais nenhum peregrino, excepto quando desfrutava de um livro no meio do monte, e chegou primeiro do que toda a gente!! Pois um certo carro vassoura (o marido coitado!) que lá cedia aos inúmeros caprichos desta senhora. 
O albergue de Laxe (Bendoiro) foi, sem dúvida um dos melhores arquitectados que encontramos. Tinha voluntários que nos mostravam os cantos à casa e explicavam as regras. Alojamento multifacetado, tanto funcionava como albergue de peregrinos como centro de dia para a população e ATL para as crianças. 
A etapa foi pequena, cerca de 12 km, optamos por ficar em Laxe pois o próximo Albergue só tinha oito lugares e já estava completamente lotado. Assim a tarde foi para descansar e tratar das mazelas, momento sempre de convívio e troca de contactos entre peregrinos.
Os nossos “batedores" partiram na sua habitual demanda de abastecimentos. As compras foram feitas na mercearia mais próxima…numa aldeia vizinha que ficava “já ali”…. Mais uma vez a simpatia destas gentes para com os peregrinos: depois de finalmente encontrado o padeiro local, deu-se a decepção com a fornada esgotada… mas de imediato colmatada com a singela e insistente oferta da metade de “broa” que este homem tinha reservado para o seu consumo!.. Gestos marcantes que alimentam a mística do Caminho!
Em clima de grande cumplicidade e alegria o jantar foi preparado. Massa e costeletas de borrego, até eu cozinhei e comi, e mais a mais, detesto borrego… era o que havia, e lá foi!!
Um dos pontos altos do dia foi quando nos recolhemos para desfrutarmos de mais um fabuloso texto preparado pelo nosso Fotógrafo. Uma das manas nipónicas foi convidada a ler o poema “Silêncio”, pois como é guia turística fala fluentemente enumeras línguas entre elas o português. Foi um daqueles momentos de partilha e comunhão entre todos nós que ficam nas boas memórias do Caminho de Santiago. 
Chegam os cavaleiros, os cavalos lá fora são alimentados e começam a espoliar-se de felicidade, merecido repouso, nem para eles é fácil.
Amanhã a mais longa das etapas, cerca de 32 km nos esperam, agora entregamo-nos ao descanso e ao silêncio…
Texto by Lai
Fotos by SightXperience
(continua…)

4 comentários:

  1. Fantástica narrativa que conjugada às imagens postadas nos permite ter uma noção muito exata do que é o caminho (e a caminhada ) , bem como projetar as inefáveis heranças que estão sendo construídas no patrimônio intangível das biografias andantes. Abraços do sul do Brasil!

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  2. Pois eu a carne que mais gosto é de borrego, mais um pouquinho se abriu do veu da tua caminhada
    Bj

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  3. Uma caminhada húmida, mas abençoada...

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  4. alimento

    para o

    espírito



    [obrigado
    pela
    partilha]

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